A população de Itararé estava aflita. A cidade paulista, com
menos de 7000 habitantes em 1930, era o caminho das revoluções: por ali
passaram os revolucionários de 1893, 1922, 1924 e agora os de 1930. Começou com
a evacuação da cidade. Nem os noventa praças que vieram de Itapetininga tranquilizaram
o povo, que fugia. Dias depois concentravam-se na cidade 3000 soldados da Força
Pública, 1600 do Exército e uns mil voluntários. Fizeram até um aeroporto e
trouxeram quatro velhos canhões Krupp, da Primeira Guerra Mundial. Tudo isso para tentar deter o avanço dos
revolucionários.
O general Pais de Andrade chefiava essa tropa, que esperava
o ataque dos revolucionários comandados por Miguel Costa – militar de
prestígio, olhos de aço, guerrilheiro que dividia com Prestes as honras e a
fama da liderança da Coluna – vinha com sete mil e oitocentos homens e dezoito
modernos canhões Krupp.
Ali, em Itararé, armava-se a maior batalha moderna do país. Quando
as forças se enfrentassem, a Batalha de Itararé envolveria o maior número de
combatentes da nossa história em terras brasileiras: cerca de 15000 homens em
uma única batalha.
Miguel Costa fez seu quartel-general em Sengés e dividiu
suas tropas em quatro destacamentos. O coronel Silva Júnior comandava o primeiro,
com 4300 homens. Ele faria o ataque frontal a Itararé. Flores da Cunha comandava
o segundo, com 1600 homens, tentando uma pinça ao norte. O major Alexínio
Bittencourt, era o comandante do terceiro destacamento, também com 1600 homens,
que faria a mesma manobra de Flores da Cunha, pelo lado sul. E um destacamento
de reserva, sob as ordens de Batista Luzardo, agiria onde fosse preciso.
Acontecia uma guerra de posições, com poucas trocas de
tiros. O general Pais de Andrade mandava homens para Sengés, preparando um
ataque. Miguel Costa lutava para colocar seus canhões numa fazenda, de onde
liquidaria a artilharia do Exército. Tiros esparsos, barragens de fogo, de um
lado e outro, para impedir o movimento de tropas firmando posição.
Mas ainda não era uma batalha. As tropas do governo tinham uma
perigosa frente de 4 quilômetros e poucos meios de mantê-la, caso houvesse fogo
concentrado. A luta por posições prosseguia. Os dois líderes militares entendiam
do assunto: um e outro examinavam mapas, conferiam posições.
Ficou claro que as tropas de Miguel Costa poderiam varrer as
posições de Pais de Andrade. Nas pequenas lutas morriam algumas dezenas de
soldados. Era muito difícil defender Itararé. Miguel Costa chegou a 8
quilômetros da cidade. Mais um pouco, se ele quisesse, poderia, com seus
canhões, destruir a pequena e simpática cidade. Só havia uma saída para Pais de
Andrade: render-se; ou então avançar, num ataque suicida, tentando conter o
inimigo. Ficando ali, imóvel, esperando, suas tropas seriam massacradas. Seus
superiores em São Paulo eram informados sobre isso. Mas reagiam de maneira
dramática:
“Defenda Itararé até a morte”.
Isso significava: “Não avance: espere e defenda-se”.
Pais de Andrade resignava-se e esperava. Ele compreendia que
Miguel Costa ia atacar. Seria um massacre.
Do outro lado, Miguel Costa sentia a vitória. Bastava dizer
“Fogo!” e seria o fim de Itararé. Marcou o ataque para o meio-dia. Então uma
estranha paz caiu sobre Itararé. Tensos, os soldados esperavam a batalha.
Eis que, às sete da manhã, vislumbrou-se uma bandeira branca.
Ela vinha do lado dos revolucionários: Miguel Costa mandava suspender a guerra.
Quem leva a bandeira era o deputado Glicério Alves, da coluna de Miguel Costa,
acompanhado de clarins, numa cena dramática.
A mensagem era um ultimato: Miguel Costa exigia a rendição
incondicional de Pais de Andrade.
– Nunca! – ele respondeu. Estava disposto a morrer com
honra.
Então foi informado: toda a luta era inútil; o presidente
Washington Luís fora deposto no Rio de Janeiro por tropas do próprio Exército
Nacional. Pais de Andrade não acreditou e foi, pessoalmente, parlamentar com
Miguel Costa. E obteve a plena confirmação dos fatos: a Junta Governativa, que
tomou o poder no Rio, ordenou o fim das hostilidades.
Não aconteceu a batalha. Dias depois, um trem atravessou
lentamente a cidade de Itararé. Nele estava Getúlio Vargas, que foi recebido
com grande animação.
Não houve a batalha, porém mais de cem soldados morreram em
Itararé.
(CHIAVENATTO, Júlio José. A Revolução de 1930. (Coleção O Cotidiano da
História). São Paulo: Ática, 1986. p. 25. Apud. CAPÍTULO 10: A revolução de
1930. [S.l.: s.n., 1980] p. 142-3. Texto para leitura).