O Tigre

Tigre. tigre que flamejas
nas florestas da noite.
Que mão que olho mortal
se atreveu a plasmar tua terrível simetria?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
ardeu o fogo de teus olhos?
Sobre que asas se atreveu a ascender?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
as fibras do teu coração?

E quando teu coração começou a bater,
que mão, que espantosos pés
puderam arrancar-te da profunda caverna,
para trazer-te aqui?
Que martelo te forjou? Que cadeira?
Que bigorna te bateu? Que poderosa mordaça
pôde conter teus pavorosos terrores?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
e regaram de lágrimas os céus,
sorriu Ele ao ver sua criação?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou?

Tigre, tigre que flamejas
nas florestas da noite.
Que mão, que olho imortal
se atreveu a plasmar tua terrível simetria?

BLAKE, Willian. The Tiger. Tradução: Ângelo Monteiro. Disponível em: http://www.casadacultura.org/Literatura/Poesia/g12_traducoes_do_ingles/Tigre_Angelo_Monteiro.html Acesso em 7 jan 2015

O rei, o sacerdote e o homem rico

Numa sala estão sentados três grandes homens, um rei, um sacerdote e um homem rico com o seu ouro. Entre eles está um mercenário, um homem pequeno, de nascimento comum e sem grande inteligência. Cada um dos grandes pede a ele para matar os outros dois. “Faça isso”, diz o rei, “pois eu sou seu governante por direito”. “Faça isso”, diz o sacerdote, “pois estou ordenando em nome dos deuses”. “Faça isso”, diz o rico, “e todo este ouro será seu”. (...) Quem sobrevive e quem morre?

É um enigma sem resposta, ou melhor, com muitas respostas. Tudo depende do homem que tem a espada.

– E, no entanto, ele não é ninguém – Varys concluiu. – Não tem uma coroa, nem ouro, nem o favor dos deuses, mas apenas um pedaço de aço afiado.

– Esse pedaço de aço é o poder da vida e da morte.

– Precisamente… E, no entanto, se são realmente os homens de armas que nos governam, por que fingimos que nossos reis têm o poder? Por que um homem forte com uma espada obedeceria a um rei criança como Joffrey, ou a um idiota encharcado em vinho como o pai?

– Porque esses reis crianças e idiotas bêbados podem chamar outros homens fortes, com outras espadas.

– Então são esses outros homens de armas que têm o verdadeiro poder. Ou será que não?

De onde vieram as suas espadas? Por que é que eles obedecem? – Varys sorriu. – Há quem diga que o conhecimento é poder. Outros, que todo o poder provém dos deuses. Outros, ainda, afirmam que deriva da lei. Mas, naquele dia, nos degraus do Septo de Baelor, nosso devoto Alto Septão, a legítima Rainha Regente e este seu sempre tão sabedor criado viram se tão impotentes como qualquer sapateiro ou tanoeiro da multidão. Quem você acha que realmente matou Eddard Stark? Joffrey, que foi quem deu a ordem? Sor Ilyn Payne, que foi quem brandiu a espada? Ou… outra pessoa? (...) O poder reside onde os homens acreditam que reside. Nem mais, nem menos.

– Então o poder é um truque de mímica?


– Uma sombra na parede – Varys murmurou. – Mas as sombras podem matar. E, muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande. 

(MARTIN, George. A Fúria dos Reis. Tradução: Jorge Candeias. São Paulo: Leya, 2011. p.693, 739-740. (Crônicas de Gelo e Fogo v. 2)

A revolução de 1924: lembranças de Dona Alice

O texto abaixo é o depoimento de uma mulher que assistiu à Revolução de 1924.

Quando minha filha tinha seis meses mudei para o Cambuci, Rua dos Alpes; era uma casa modesta, quse em frente à fábrica onde Umberto trabalhava. Quando a menina completou um ano, era o dia 4 de julho; eu estava entrançando o cabelo e prendendo com grampos, para que ficasse armado, porque ia ao teatro à noite. Minha mãe chegou e disse: “—A cidade está cheia de soldados de carabina embalada, vai ter uma revolução”. O Umberto não acreditou. De fato, era a revolução.

Durante e noite, pelas duas horas da madrugada alguém bateu em todas as portas da Rua dos Alpes: “– Vai explodir o depósito de pólvora lá do Hospício”. (Esse Hospício devia ser lá na Rua Tabatinguera onde tinha um quartel.) Imagine crianças, mulheres com bebê, velhos doentes que não podiam andar, naquela procissão... Eu queria levar os brinquedos de minha filha, bonecas, bichinhos... Afinal juntei um pouquinho de roupa necessária e com Umberto, minha mãe, a menina, fomos pela Rua dos Alpes, atravessamos o Largo do Cambuci... e todo o mundo subindo como uma romaria, naquela madrugada, a Avenida Lins de Vasconcelos. Fomos para a casa de um amigo e à tarde, vendo tudo sossegado, voltamos para casa. Mas era de verdade a revolução.  

A gente nunca quer sair da casa da gente pra ir pra nenhum lugar, só quando já não pode ficar mais... acho que todas as pessoas são assim. Durante o dia, ouvimos os tiros de canhão, eu ia me aguentando e ficando mais um pouco. Mas quando foi um dia... o tiroteio se cruzava entre os soldados na Igreja da Glória e os outros, no depósito de pólvora, lá embaixo na Rua Tabatingüera. Eu morava no meio. Foi a Revolução do Isidoro Dias Lopes. Cortaram as luzes e de noite os tiros sacudiram a casa... e o barulho do canhão. Eu só tinha medo de morrer no escuro.

No dia seguinte disse: “—Vou embora, vou de carro de boi, carroça, mas vou sair daqui.” Os carros, quando saíam na rua, os soldados pegavam. Meu marido viu um carro parado em nossa rua, na porta de uns amigos, e pediu o favor que viessem me buscar com a menina. Fui para o Alto da Lapa, na casa de uma cunhada. Minha mãe foi para Nova Odessa. Quando saía fora de casa via o clarão, os estrondos.

Uns primos meus acompanharam os revoltosos e um deles desapareceu, deve ter morrido no combate. Muita gente morreu. Meu marido ficou em casa; para me ver, entrava na margem do rio Tamanduateí, onde havia uma calçadinha e andava até o Alto da Lapa. Vinha pelo mesmo caminho.

Quando voltei, minha casa tinha sinais de bala na parede, na cozinha. Outras casas foram saqueadas. 

(BOSI, Ecléa. Lembranças de Dona Alice. Memória e sociedade; lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979. p. 64-65. Apud. CAPÍTULO 8: A República Velha: organização política. [S.l.: s.n., s.d] p. 119. Texto para Leitura).

O lazer em São Paulo no início do século

Nessa época as lojas da cidade tinham ganho outra animação, com frequência de mulheres fazendo suas compras sozinhas. A vida social em São Paulo intensificou-se. Após a proibição dos mergulhos no Tamanduateí e o aparecimento de clubes de natação e regatas ás margens do Tietê, o esporte tomou impulso. Por influência dos ingleses, foi introduzida o futebol, logo entusiasmando a população; apareceram as primeiras quadras de tênis e de bola-ao-cesto, e ganharam destaque as corridas de cavalo, em hipódromos recém-construídos. Aos domingos a principal distração do povo era ir passear no Jardim do Ipiranga, onde se divertia andando de carrossel, assistindo a teatrinhos de bonecos, participando de uma quantidade de jogos e competições. Ia-se a piqueniques, a sessões de circo, a concertos de bandas no coreto do Jardim da Luz, a reuniões dançantes em clubes recreativos, a espetáculos de teatro, de óperas, de operetas.

Como em todas as cidades do Brasil, havia o famoso footing, passeio a pé, numa rua ou numa praça – moça de um lado, rapazes do outro – trocando olhares, sorriso, bilhetinhos. Foram célebres no passado os footing da rua 15 de Novembro e da rua Direita. Várias confeitarias haviam-se tornado muito conhecidas, sendo ponto de reunião obrigatória para famílias inteiras, que lá iam tomar sorvetes, saborear doces e ouvir sua orquestra. Os frequentadores de teatro movimentavam á noite os restaurantes e os cafés, onde tomavam refrescos ou ceavam após os espetáculos. As livrarias mais importantes transformaram-se em local de encontro de escritores, jornalistas e estudantes, para gostosos bate-papos, comentários políticos e larga troca de idéias.


O progresso aumentou dia a dia quando novos hábitos e costumes, trazidos por onda crescente de imigrantes, vieram influenciar a vida paulista, tornando São Paulo o modelo de cidade dinâmica e cosmopolita, em contínua expansão. 

(HOLANDA, Sérgio Buarque de. História do Brasil. São Paulo: Nacional, 1977. p. 144-145. v.2. Apud. CAPÍTULO 9: Economia, sociedade e cultura na República Velha. [S.l.: s.n., s.d] p. 135 Texto para leitura.) 

A batalha de Itararé

A população de Itararé estava aflita. A cidade paulista, com menos de 7000 habitantes em 1930, era o caminho das revoluções: por ali passaram os revolucionários de 1893, 1922, 1924 e agora os de 1930. Começou com a evacuação da cidade. Nem os noventa praças que vieram de Itapetininga tranquilizaram o povo, que fugia. Dias depois concentravam-se na cidade 3000 soldados da Força Pública, 1600 do Exército e uns mil voluntários. Fizeram até um aeroporto e trouxeram quatro velhos canhões Krupp, da Primeira Guerra Mundial.  Tudo isso para tentar deter o avanço dos revolucionários.

O general Pais de Andrade chefiava essa tropa, que esperava o ataque dos revolucionários comandados por Miguel Costa – militar de prestígio, olhos de aço, guerrilheiro que dividia com Prestes as honras e a fama da liderança da Coluna – vinha com sete mil e oitocentos homens e dezoito modernos canhões Krupp.

Ali, em Itararé, armava-se a maior batalha moderna do país. Quando as forças se enfrentassem, a Batalha de Itararé envolveria o maior número de combatentes da nossa história em terras brasileiras: cerca de 15000 homens em uma única batalha.

Miguel Costa fez seu quartel-general em Sengés e dividiu suas tropas em quatro destacamentos. O coronel Silva Júnior comandava o primeiro, com 4300 homens. Ele faria o ataque frontal a Itararé. Flores da Cunha comandava o segundo, com 1600 homens, tentando uma pinça ao norte. O major Alexínio Bittencourt, era o comandante do terceiro destacamento, também com 1600 homens, que faria a mesma manobra de Flores da Cunha, pelo lado sul. E um destacamento de reserva, sob as ordens de Batista Luzardo, agiria onde fosse preciso.

Acontecia uma guerra de posições, com poucas trocas de tiros. O general Pais de Andrade mandava homens para Sengés, preparando um ataque. Miguel Costa lutava para colocar seus canhões numa fazenda, de onde liquidaria a artilharia do Exército. Tiros esparsos, barragens de fogo, de um lado e outro, para impedir o movimento de tropas firmando posição.

Mas ainda não era uma batalha. As tropas do governo tinham uma perigosa frente de 4 quilômetros e poucos meios de mantê-la, caso houvesse fogo concentrado. A luta por posições prosseguia. Os dois líderes militares entendiam do assunto: um e outro examinavam mapas, conferiam posições.
Ficou claro que as tropas de Miguel Costa poderiam varrer as posições de Pais de Andrade. Nas pequenas lutas morriam algumas dezenas de soldados. Era muito difícil defender Itararé. Miguel Costa chegou a 8 quilômetros da cidade. Mais um pouco, se ele quisesse, poderia, com seus canhões, destruir a pequena e simpática cidade. Só havia uma saída para Pais de Andrade: render-se; ou então avançar, num ataque suicida, tentando conter o inimigo. Ficando ali, imóvel, esperando, suas tropas seriam massacradas. Seus superiores em São Paulo eram informados sobre isso. Mas reagiam de maneira dramática:

“Defenda Itararé até a morte”.

Isso significava: “Não avance: espere e defenda-se”.  

Pais de Andrade resignava-se e esperava. Ele compreendia que Miguel Costa ia atacar. Seria um massacre.

Do outro lado, Miguel Costa sentia a vitória. Bastava dizer “Fogo!” e seria o fim de Itararé. Marcou o ataque para o meio-dia. Então uma estranha paz caiu sobre Itararé. Tensos, os soldados esperavam a batalha.

Eis que, às sete da manhã, vislumbrou-se uma bandeira branca. Ela vinha do lado dos revolucionários: Miguel Costa mandava suspender a guerra. Quem leva a bandeira era o deputado Glicério Alves, da coluna de Miguel Costa, acompanhado de clarins, numa cena dramática.
A mensagem era um ultimato: Miguel Costa exigia a rendição incondicional de Pais de Andrade.
– Nunca! – ele respondeu. Estava disposto a morrer com honra.

Então foi informado: toda a luta era inútil; o presidente Washington Luís fora deposto no Rio de Janeiro por tropas do próprio Exército Nacional. Pais de Andrade não acreditou e foi, pessoalmente, parlamentar com Miguel Costa. E obteve a plena confirmação dos fatos: a Junta Governativa, que tomou o poder no Rio, ordenou o fim das hostilidades.

Não aconteceu a batalha. Dias depois, um trem atravessou lentamente a cidade de Itararé. Nele estava Getúlio Vargas, que foi recebido com grande animação.


Não houve a batalha, porém mais de cem soldados morreram em Itararé. 

(CHIAVENATTO, Júlio José. A Revolução de 1930. (Coleção O Cotidiano da História). São Paulo: Ática, 1986. p. 25. Apud. CAPÍTULO 10: A revolução de 1930. [S.l.: s.n., 1980] p. 142-3. Texto para leitura).

Havia indústria no Brasil?

Antes da vinda de Dom João era proibido instalar indústria aqui. Dom João anulou essa proibição, mas assim mesmo nossa indústria não se desenvolveu. Vamos ver por quê.

Para instalar uma indústria, é preciso ter: dinheiro, máquinas, matérias-primas, mão-de-obra, energia, transporte e mercado consumidor.

Quando falta algum desses elementos, a indústria não se desenvolve. Se não houver dinheiro, por exemplo, como comprar máquinas e matérias-primas? Se não houver transportes, como levar as matérias-primas até a fábrica e os produtos industrializados da fábrica para os consumidores? Se a população não tiver dinheiro para comprar, que adianta produzir mercadorias? Se não houver energia, como as máquinas podem funcionar?

Você mora numa cidade pequena do interior? Se não mora, conhece alguma?

Você já reparou como algumas cidades possuem bem poucas indústrias? Por quê?

Se você analisar bem, verá que é porque, na região, faltam transportes, dinheiro, fontes de energia etc.

Na época do Primeiro reinado, o Brasil tinha vários desses problemas.

Como você já viu, havia bem pouco dinheiro no Brasil naquele tempo. E é claro que, sem dinheiro, não era possível importar as máquinas necessárias. Além disso, a Inglaterra dificultava a venda de máquinas ao Brasil, pois queria vender aqui seus próprios produtos industrializados. Isso acontecia, por exemplo, com a indústria de tecidos. O Brasil produzia algodão de boa qualidade. No entanto, a Inglaterra tinha uma indústria têxtil muito avançada e por isso conseguia produzir tecidos bem melhores do que os produzidos no Brasil. Além disso, não vendia ao Brasil os teares necessários para montar fábricas modernas.

Havia ainda o problema dos transportes. Naquela época, a pequena população do Brasil estava separada por longas distâncias, com poucos meios de comunicação. Não havia estradas de ferro, os produtos eram transportados geralmente no lombo de animais.

Faltava também mercado consumidor.  Grande parte da população era formada por escravos que, evidentemente, não tinham dinheiro para comprar mercadorias. Apenas um pequeno número de pessoas podia consumir produtos industrializados.

E a energia?

Você sabe que este é um fator importantíssimo para a indústria. Naquela época, as fontes de energia disponíveis no Brasil eram: lenha, vento, água e forças humana e animal. Não havia energia elétrica. As máquinas das fábricas eram movidas a vapor. Para aquecer as caldeiras onde se produzia vapor, usava-se lenha e carvão mineral. Lenha, o Brasil tinha bastante; mas carvão, que era o combustível industrial mais importante, é escasso em nosso território.


Por todos esses motivos, a indústria não se desenvolveu durante o Primeiro Reinado. 

(BELTRAME, Zoraide V. Estudos Sociais. São Paulo: Ática, 1987. p. 81-83. 6° série. Apud. CAPÍTULO 1: D. Pedro I governa o Brasil. [S.l.: s.n., s.d] p.32. Texto para leitura).