Os escravos eram vistos como pessoas sem raízes, pessoas sem terra, alienadas de seu país. Ou seja não tinham direitos de nascimento, e eram considerados como pessoas que tinham sido arrancadas de outra sociedade sem serem socializadas na nova. Então, por assim dizer, estavam socialmente mortos. E eram vistos como pessoas sem honra, o que é uma condição degradante. Para o senhor de escravos, isso significa um poder absoluto sobre o escravo. Independente do que diziam as leis, tinham direitos de vida e morte.
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A América do Sul é muito complexa e fascinante. É diferente, mas não necessariamente melhor. É fácil ser enganado pelo sistema porque lá se vê negros e brancos misturados entre os pobres, mas isso não ocorre nos EEUU. Porque o que os EEUU fizeram a “Lei da Única Gota” foi encorajar um sentido de solidariedade entre os brancos como forma de separá-los dos negros. E a razão pela qual nunca houve solidariedade entre a classe operária na América foi pela “Lei da Única Gota”, e o sistema binário de raças foi uma ferramenta poderosa para dividir as classes operárias e os brancos dos negros. E quando mais nos aprofundamos no sistema, quanto mais economicamente vulnerável e marginalizada a pessoa branca é, mais tende a ser racista porque é a única forma de ela ter algum status. Ela pensa: “pelo menos não sou negro”. Assim o branco pobre e o negro pobre são totalmente contrários um ao outro. Torna-se um perfeito sistema de divisão. A sociedade latino-americana é bem mais racista nas classes altas do que a dos EEUU. Os chefes militares brasileiros são completamente brancos. A elite política brasileira foi, até recentemente, completamente branca. Nos EEUU, quanto mais elevado se observa, por causa das leis dos Direitos Civis e etc. mais integrada é a população. E a elite politica americana esta completamente integrada. A Secretaria de Estado é negra, o grupo de líderes negros no Congresso é muito poderoso. A razão provável para isso foi a forma pela qual os afro-americanos pegaram a “Lei da Única Gota” e a usaram para seus próprios fins para mobilização e solidariedade. Enquanto o Brasil manteve a “democracia racial” significando que o homem branco se deita com mulheres negras sem se sentir culpado, gerando crianças mestiças de grande beleza. Mas o sistema permanece perversamente desigual. O Brasil é a sociedade mais desigual do mundo ocidental. E os negros estão completamente no fundo da base. É um sistema pernicioso. É um Apartheid sem as leis do Apartheid. E no topo é absolutamente racista.
(Professor Orlando Patterson [Departamento de Sociologia, Harvad], In: Racism, A history. (Produção e direção: Paul Tickell; Narração: Sophie Okonedo). BBC Four, 2007)