Sociedade Livre

É claro que os defensores zelosos e leais do presidente e de suas políticas, bons cidadãos que nada fa-zem para atrair a atenção negativa dos poderosos, não tem qualquer motivo para temer o Estado de vigilân-cia. É assim em qualquer sociedade: é difícil para aqueles que não representam contestação alguma sejam alvo de medidas repressoras; logo, do seu ponto de vista eles podem se convencer de que a opressão na verdade não existe. Mas a verdadeira medida de quanto uma sociedade é livre não é a forma como ela trata seus defensores, mas como trata os dissidentes e outros grupos marginalizados. Mesmo nas piores tiranias do mundo, defensores zelosos estão imunes aos abusos do poder público. No Egito de Mubarak, quem saiu às ruas para exigir sua saída foi preso, torturado, abatido a tiros; quem o defendeu e ficou em casa quietinho, não. Nos Estados Unidos, quem se viu alvo da vigilância de Hoover foram os líderes da NAACP, os comunistas e os ativistas de direitos civis e anti-guerra, não os cidadãos bem comportados que se calaram diante da injustiça social. 

(GREENWALD, Glenn. Sem Lugar Para se Esconder: Edward Snowden, a NSA e a espionagem do governo americano. Tradução Fernanda Abreu. [Rio de Janeiro, 2014] p.92) 

Racismo

Os escravos eram vistos como pessoas sem raízes, pessoas sem terra, alienadas de seu país. Ou seja não tinham direitos de nascimento, e eram considerados como pessoas que tinham sido arrancadas de outra sociedade sem serem socializadas na nova. Então, por assim dizer, estavam socialmente mortos. E eram vistos como pessoas sem honra, o que é uma condição degradante. Para o senhor de escravos, isso significa um poder absoluto sobre o escravo. Independente do que diziam as leis, tinham direitos de vida e morte.
 
(...)

A América do Sul é muito complexa e fascinante. É diferente, mas não necessariamente melhor. É fácil ser enganado pelo sistema porque lá se vê negros e brancos misturados entre os pobres, mas isso não ocorre nos EEUU. Porque o que os EEUU fizeram a “Lei da Única Gota” foi encorajar um sentido de solidariedade entre os brancos como forma de separá-los dos negros. E a razão pela qual nunca houve solidariedade entre a classe operária na América foi pela “Lei da Única Gota”, e o sistema binário de raças foi uma ferramenta poderosa para dividir as classes operárias e os brancos dos negros. E quando mais nos aprofundamos no sistema, quanto mais economicamente vulnerável e marginalizada a pessoa branca é, mais tende a ser racista porque é a única forma de ela ter algum status. Ela pensa: “pelo menos não sou negro”. Assim o branco pobre e o negro pobre são totalmente contrários um ao outro. Torna-se um perfeito sistema de divisão. A sociedade latino-americana é bem mais racista nas classes altas do que a dos EEUU. Os chefes militares brasileiros são completamente brancos. A elite política brasileira foi, até recentemente, completamente branca. Nos EEUU, quanto mais elevado se observa, por causa das leis dos Direitos Civis e etc. mais integrada é a população. E a elite politica americana esta completamente integrada. A Secretaria de Estado é negra, o grupo de líderes negros no Congresso é muito poderoso. A razão provável para isso foi a forma pela qual os afro-americanos  pegaram a “Lei da Única Gota” e a usaram para seus próprios fins para mobilização e solidariedade. Enquanto o Brasil manteve a “democracia racial” significando que o homem branco se deita com mulheres negras sem se sentir culpado, gerando crianças mestiças de grande beleza. Mas o sistema permanece perversamente desigual. O Brasil é a sociedade mais desigual do mundo ocidental. E os negros estão completamente no fundo da base. É um sistema pernicioso. É um Apartheid sem as leis do Apartheid. E no topo é absolutamente racista. 

(Professor Orlando Patterson [Departamento de Sociologia, Harvad], In: Racism, A history. (Produção e direção: Paul Tickell; Narração: Sophie Okonedo). BBC Four, 2007)